"...Todos sequencialmente se apresentaram, foi quando chegou a vez do
especialista em projetos:
--Boa tarde a todos. Meu nome é Hildebrando Munhoz da rocha...
Quando ele terminou de proferir seu nome, ela teve certeza: ela o
havia atendido no hospital em que trabalhou no interior. Ele nem de longe se
lembrava dela, pois Isa havia envelhecido bastante devido às responsabilidades
múltiplas com a casa, os filhos e o emprego. Terminada a reunião, ela
dirigiu-se calmamente até ele e perguntou:
-- Você se lembra de mim?
Ele a olhou e respondeu:
-- Realmente, você não me é estranha.
Ela perguntou se ele havia morado na cidade em que ela havia
trabalhado. Ele confirmou. Como estavam numa reunião corporativa, apenas trocaram
cartões, mas assim que ela saiu do hospital seu celular tocou e reconheceu o
número do cartão de Hildebrando. Trocaram apenas algumas palavras e marcaram um
encontro para daqui duas horas, assim ela teria tempo pra arrumar uma colega
que cuidasse de seus filhos. No horário combinado, ela o avistou sentado numa
das confortáveis cadeiras do Café & Bar que ela havia escolhido. Ao
trocarem os cumprimentos, ela foi logo ao assunto:
-- E aí, se lembrou de mim?
-- Me lembrei! Você era aquela linda psicóloga do Hospital e
Maternidade Santa Casa de Misericórdia, certo? Bem, naquela época eu bebia
muito e estava passando por maus bocados, cheguei àquele hospital em situação
de rua, mas graças a Deus tudo passou. Não bebo há muitas 24 horas e trabalho
na área de projetos há dois anos, ninguém sabe dessa minha fase negra. Marisa,
peço que você não comente nada com ninguém pro aqui.
Após escutar tudo calmamente, Isa virou para ele e comentou:
-- Então você confessa que era mesmo aquele homem que estou
pensando? Você se lembra do que fez naquele dia?
Marisa estava jogando verde para colher maduro. Ele, olhando-a com
uma cara de sedutor de terceira categoria, disse:
-- Sim, me lembro muito bem agora. É sobre a calcinha, né?
Ela afirmou que sim com a cabeça. Sem saber muito bem por onde
começar, ela inicou:
--Rapaz, a “insanidade” que você cometeu naquele dia, o furto da
calcinha, a rosa e o bilhete, custaram a minha separação.
Ele pegou um petisco, levou à boca e, olhando nos olhos dela,
disse:
--Marisa, você se separou porque assim tinha de ser. Não coloque a
culpa em terceiros. E outra coisa: se eu não fosse o causador, teria outro em
meu lugar. E uma última coisa: você é psicóloga e pode me ajudar, será que
aquele fetiche de cheirar calcinha usada provém de algum distúrbio? Me ajude,
doutora.
Hildebrando a olhava com cara de sedutor. Ela respondeu-lhe:
Isso é uma pouca vergonha. São defeitos de caráter que você mesmo
tem que corrigir.
Ao que ele disse:
-- Mas como, Isa. Será que a psicologia moderna não explica nada sobre
esse fetiche? - E, carinhosamente, pegou em sua mão.
Não tinha como negar, o cara era inteligente, sabia como ninguém
enquadrar direitinho uma mulher. Usando bem sua malemolência, enquadrou a
psicóloga juntos seguiram para o luxuoso apart hotel onde estava morando. No
trajeto deram muitas risadas e ele contou a Isa sobre a briga com Joca dentro
da lixeira por causa da calcinha.
E, por causa da tal calcinha, da rosinha e do bilhete, eles estão
juntos até hoje. Joca faleceu, vítima do alcoolismo, Carlos Antônio continua
firme com a mulher e será papai novamente, e Hildebrando é um novo homem. Um
homem que está a caminho da felicidade, dentro de sua sobriedade. A fase de
mendigo foi um período negro de sua vida, confessado sempre no grupo de autoajuda
que frequenta, lugar este que ele visita periodicamente para jamais voltar a
beber novamente e passar por situações tão lastimáveis como a de ter sido
morador de rua, devido ao uso abusivo de álcool."
Este é um fragmento do Diário de Bordo da Kombi, livro de Paulo Roberto de Souza que será lançado em breve.