"...Ao ser
questionado pela psicóloga sobre onde morava, foi sincero
consigo mesmo pela primeira vez e disse a ela que estava em situação de rua, e
que passou dias dormindo numa lixeira. A profissional questionou a fim de saber
se era verdade e ele, sem cerimônias contou um pouco de sua vida.
A doutora ficou
muito impressionada com sua história. Como poderia um grande mecânico de avião,
que já fora empregado em grandes empresas, conhecedor de vários países,
poliglota que, com apenas trinta e poucos anos já se encontrava numa situação
de mendicidade? Ele não admitiu a ela que era um alcoólatra, mas em partes
porque também não sabia. A psicóloga ficou com a pulga atrás da orelha e fez
mais uma pergunta:
-- Como pode
morar numa lixeira e estar aqui perfumado e com camisa limpinha, lendo um
livro?
Olhando para os
belos olhos verdes da moça, Hildebrando revelou que ganhara de um paciente que
já tinha recebido alta, e que suas roupas velhas estavam guardadas em um saco
de lixo dentro do banheiro. Ela foi até a lixeira para constatar a dura
realidade do pobre coitado. Ao finalizar seu questionário, comunicou-lhe de que
o médico que estava que cuidava de seu caso viria no dia seguinte por volta das
10 da manhã, para conversar com ele sobre quando receberia alta. A psicóloga,
ao dirigir-se a porta, desejou-lhe boa leitura, mas antes que saísse ouviu a
voz de Hildebrando:
-- Por gentileza,
posso lhe fazer uma pergunta antes que se vá?
A psicóloga,
surpresa respondeu:
-- Pode sim,
imagina!
Hildebrando, meio
vacilante, continuou:
-- Você é bonita
assim mesmo ou fez cursinho?
A cantada boba do
mendigo balançou a mente da psicóloga, deixando-a sem jeito, apesar de saber
que era bonita. Sem saber como sair da sinuca de bico, desejou novamente boa
leitura ao mendigo e antes que fechasse a porta, Hildebrando conseguiu retrucar
novamente:
-- Doutora, se
tiver em sua casa algum livro velho de Sigmundo Freud, Jean Piaget, Carl Jung –
todos da área da psicologia – ou alguém da sociologia como Emile Durkhein, Mar
Weber, Celso Furtado, por favor me traga.
Ali ele exibiu
sua cultura decoreba e, é claro, impressionou muito aquela profissional. A
psicóloga fechou a porta sem dizer sim ou não, pois não queria dar confiança
aos pacientes. Já teve muitos problemas no passado por dar muita atenção e amor
aos pacientes mais carentes. Infelizmente eles, às vezes confundem, ao verem
uma linda mulher morena de olhos verdes, esguia lhe tratando com carinho. Ela já
estava acostumada com galanteios de médicos a mendigos, dentro e fora do
hospital, mas já estava vacinada.
Hildebrando
voltou à leitura e após o almoço, tirou uma soneca a fim de recompor-se, já que
estava sozinho no quarto. Acordou somente no horário do café, com um simpático “Olá”
das enfermeiras, convidando-o a acordar-se para os medicamentos e tomar um
nescauzinho. Enquanto tomava seu chocolate quente de hospital, chegou uma maca
com um paciente todo quebrado. Seria um novo companheiro de quarto?..."
Este é um fragmento do livro Diário de Bordo da Kombi, escrito por Paulo Roberto de Souza que será publicado em breve.
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