"-- Doutora, a senhora é bonita assim mesmo ou fez cursinho?
Fazia muito tempo que ela não ganhava flores de alguém. O
relacionamento com o marido Carlos Antônio já estava azedando. Estavam casados
há duas décadas, se suportando pela manutenção da família. Isa sem maldade pôs
a rosinha junto ao bilhetinho amassado dentro da bolsa. Pretendia dar a
florzinha a sua filhinha Adriana, apelidada carinhosamente de Drica. Exatamente
às 18 horas, desceu a rampa do hospital e embarcou em seu carro, sem o
compromisso de ir à academia naquele dia. Como de costume, passou no
supermercado do bairro, comprou frutas e verduras e seguiu tranquilamente para
casa. Quando saía do banho, seu celular toca. Pegou-o da bolsa, deixando-a com
o zíper aberto, e seguiu para a cozinha. Carlos Antônio, ao sair do banho
passou pela sala, viu a bolsa da esposa aberta com uma rosa junto a um bilhete.
Leu e releu, e imediatamente chamou-a a sala, pedindo satisfações
pela aparente intimidade com o autor do bilhete. Ela explicou ao marido que
havia sido entregue por um mendigo na recepção, que não era sua culpa.
Continuou:
-- E outra coisa, é um paciente alcoólatra, morador de rua. Jamais
trocaria você por uma pessoa dessas, pensa bem Carlos.
Carlos Antônio não quis estender a discussão, sabia que tinha um
mulherão ao lado e nem de longe pensava em perdê-la. Já haviam se separado por
ciúme bobo e agora viviam mais em função dos filhos. Pela manhã, Marisa saiu rumo
ao trabalho e no meio do caminho o carro pifou, para não chegar atrasada pediu
uma carona ao marido. Dez minutos depois, Carlos Antônio a pegou no local
combinado e seguiram até o hospital. Durante o percurso os dois não conversaram
e Carlos parecia não estar muito legal. O sinal do semáforo fechou e, de dentro
do carro, Isa viu Hildebrando sentado no cantinho da calçada com um litro de
pinga ao lado, levando constantemente próximo ao nariz a calcinha vermelha com
bolinhas brancas. A calcinha que Carlos havia lhe dado no último dia dos namorados.
Ela levou a mão à boca, mas não pode conter os ruídos de espanto.
Carlos notou o gesto da mulher e quebrou o gelo do percurso com extrema
insatisfação:
-- É esse o mendigo da rosinha e do bilhete? – olhando bem para a
calcinha na mão do bêbado, voltou-se novamente na direção da esposa – O que
mais tem nessa história, porra?
Ela pediu calmamente:
-- Por favor, me deixe trabalhar em paz, Carlos. Sou psicóloga,
tente me entender. Tenho que estar bem para atender os pacientes. Conversaremos
a noite.
Carlos Antônio não fez o trajeto habitual. Desconfiado, voltou
para casa a fim de vasculhar as gavetas do guarda-roupa para ver se a calcinha
vermelha com bolinhas brancas estava dentro. A noite chegou e o pau fechou. Carlos pôs-se a falar da
desconfiança em relação aos médicos bonitões do hospital, e em seguida
perguntou sobre a calcinha que havia dado a ela.
-- Cadê a calcinha que lhe dei no dia dos namorados?
Marisa ficou com uma única saída: relatar ao marido sobre o caso
de emergência no quarto 104, no qual atendeu Seu Davi, falando também que havia
sido neste mesmo dia que perdeu a calcinha. Havia confirmado somente hoje pela
manhã na ida para o trabalho, que havia sido furtada pelo infeliz do
Hildebrando. Tentou explicar tudo a um Carlos enfurecido. Carlos, depois de
toda a tentativa da esposa, disse:
-- Vou ao bar. Na volta, a gente conversa.
Quando voltou, notou que ela havia pegado seu carro e as crianças,
e deixado um bilhete em cima da mesa, antes de ir para a casa dos pais. No
bilhete, a seguinte frase: “Carlos, por favor, não me procure mais. Não suporto
mais ser acusada de coisas que não fiz.”.
Para encurtar a história, acabaram se separando e hoje Carlos está
casado novamente com uma ex-empregada doméstica, com quem ele já mantinha um
romance paralelo desde que havia começado a trabalha em outra cidade. Os anos
se passaram e Marisa se dedicava unicamente aos dois filhos, quando lhe
convidaram para trabalhar em um novo hospital, numa cidade com quase 600 mil
habitantes. Ela aceitou prontamente. Quase seis meses passados desde a
inauguração do hospital, o diretor comunicou à equipe técnica sobre a vinda de
um especialista em projetos para captação de verbas junto ao Governo Federal.
Foi marcada uma reunião com a equipe e o tal especialista.
Quando todos sentaram à mesa, Marisa olhou fixamente para o
especialista e reconheceu vagamente seus traços, porém sem lembrar nitidamente
sobre quem seria o cidadão. O diretor do hospital pediu a todos que fizessem
uma auto-apresentação. Todos sequencialmente se apresentaram, foi quando chegou
a vez do especialista em projetos:
-- Boa tarde a todos. Meu nome é..."
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