quinta-feira, 12 de abril de 2012

Folhetim 4 - O Mendigo e a Psicóloga


"...Foi quando ele ouviu uma das enfermeiras a despedir-se do que seria seu novo companheiro de quarto:
-- Tchau, Seu Davi. Amanhã às 09h30min da manhã a psicóloga virá ter com o senhor.
No mesmo instante, Hildebrando pensou com seus botões sobre a psicóloga vir ter com ele também. Já passava das 17h30min quando o médico foi chamado às pressas ao quarto 104. Em conversa com o Seu Davi pode perceber que ele não estava psicologicamente bem e pediu para chamar a psicóloga antes que encerrasse seu expediente. Quando a encontraram, estava no fim de um banho pois era dia de frequentar a academia. Uma colega de trabalho abriu a porta do banheiro feminino e disse, em voz alta:
-- Marisa, o doutor disse que precisa de um laudo ainda hoje, do paciente do 104!
-- Ok. Já irei lá, só vou terminar de me vestir. Obrigada amiga.
-- De nada Isa – devolveu a colega.
Isa era o apelido pelo qual era mais conhecida. Isa era estimada pro todos do hospital.
Após vestir-se, finalizar com o jaleco branco, pegou a calcinha usada que estava pendurada no box e pôs no bolso direito do jaleco. Foi ao balcão da enfermaria, pegou sua prancheta e se dirigiu ao quarto 104, a fim de dar o último atendimento do dia, ansiosa por relaxar um pouco da rotina de trabalho e da rotina de casa.
Chegando ao quarto notou que Seu Davi estava surtando e realmente precisava de atendimento psicológico urgente. Enquanto a enfermeira e a psicóloga ajeitavam o paciente, o malandro do Hildebrando notou um pedacinho da calcinha vermelha da psicóloga dentro do bolso do jaleco e, sutilmente, com a ponta dos dedos pegou-a, sem que ela percebesse, e pôs dentro da cueca. Após o atendimento, Isa voltou ao vestiário e, ao tirar seu jaleco percebeu que a calcinha não estava mais no bolso. Voltou ao quarto 104 fazendo o mesmo trajeto anterior na esperança de encontra-la pelo chão, mas foi em vão. Entrou no quarto olhando em cada ponto do chão, nos cantos da maca quando Hildebrando, olhando-a fixamente, perguntou:
-- Perdeu alguma coisa, Doutora?
Ela, sem saber como se safar da questão, respondeu:
-- Não, não perdi nada.
Saiu pelo corredor novamente, em direção ao vestiário, sem encontrar a peça íntima. Pegou sua mochila e, sem querer se atrasar para a aula de “body jump”, desceu a rampa a passos largos.
Hildebrando não acreditava no que tinha acontecido. Seus planos, ao que parece, haviam mudado a partir de então. Até a perna esquerda, antes dolorida, havia-se curado. Ele pôs-se a pensar sobre como ficaria ali, com uma peça íntima usada por uma gata daquelas. Estranho mas verdadeiro, o fato de ela ser psicóloga mexia ainda mais com a mente do mendigo. Então começou a agir. Deu o desodorante e o livro para Seu Davi, colocou uma bermuda, pegou uma camiseta na sacola do enfermo e saiu de fininho pela porta que levava ao jardim.
Desceu calmamente a rampa declinada do hospital e, após chegar ao ponto de ônibus mais próximo sentou-se na mureta para descansar as pernas. Percebeu que ali, próximo ao poste iluminado havia um pequeno pé de rosas, por coincidência eram vermelhas. Não titubeou e colheu a rosinha vermelha. Ao lado do ponto de ônibus havia uma lanchonete, então se dirigiu para lá e, passando o mesmo migué de sempre, conseguiu uma dose de pinga. Tomou sua dose vagarosamente, estava chovendo, pediu um pedaço de papel e caneta e escreveu:
--Isa, foi bom tê-la conhecido, levo um pedacinho de ti. Você é linda. Um beijo do Hildebrando.
Tomou mais um gole do copo de outro cachaceiro conhecido e resolveu subir a rampa molhada do hospital, mas não sem antes pedir duas sacolinhas plásticas: uma para a rosinha com o bilhete e a outra para acondicionar a calcinha num lugar fechado, a fim de que a fragrância não saísse. Lá foi ele, ora andando, ora mancando, ora segurando no muro, mas conseguiu enfim chegar à recepção. Quem estava na recepção no momento era a radiologista Natali, uma gauchinha de Alegrete. Loira, olhos azuis, um escândalo de linda, como dizia Hildebrando. Eles já se conheciam de vista. Entregou a sacolinha e pediu com toda educação que, por gentileza entregasse à psicóloga. E assim foi feito, sem nenhuma objeção. Despediu-se de Natali e se foi. Lá de cima, avistou o prédio abandonado onde pretendia passar a noite. Não dormiria no prédio, mas na lixeira que ainda não havia sido usada.
Lá embaixo, um taxi estacionava em frente ao hospital..."


Este é um fragmento do livro Diário de Bordo da Kombi, livro de Paulo Roberto de Souza. 

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